Direito de propriedade e as normas internas dos condomínios: quais os limites de cada um?

A proteção da convivência coletiva​​, no âmbito da função social da posse e da propriedade, está prevista no Código Civil. Apesar disso, às vezes, a relação entre o direito de propriedade e as regras de convivência nos condomínios residenciais pode ficar complicada.

De acordo com o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luis Felipe Salomão:

“Em se tratando de condomínio edilício, o legislador, atento à realidade das coisas e ciente de que a convivência nesse ambiente especial tem muitas peculiaridades, promoveu regramento específico, limitando o direito de propriedade, visto que a harmonia exige espírito de cooperação, solidariedade, mútuo respeito e tolerância, que deve nortear o comportamento dos condôminos”.

No código, encontra-se estipulado um quadro exemplificativo do que pode ser denominado por convenção condominial, a qual pode regular as relações entre os condôminos, a competência das assembleias e a forma de administração, além de outros aspectos.

Segundo Salomão, no momento em que um indivíduo fixa residência no condomínio de um prédio, a adesão às suas normas internas é automática e implícita. Para a manutenção da harmonia das relações de vizinhança, todos os condôminos se submetem a tais normas.

No entanto, em 2019, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) se posicionou no sentido de que as regras condominiais não podem ultrapassar os limites da lei.

 

O que isso quer dizer? Explicaremos em seguida. Mas, antes, imagine a seguinte situação hipotética: 

 

Maria mora há 12 anos no condomínio de apartamentos “Alvorada”, junto com seus dois filhos. Por enfrentar dificuldades financeiras, ela está há 3 meses sem conseguir pagar a taxa de condomínio. 

Por conta disso, a família recebeu uma notificação de que está proibida de frequentar os espaços de convivência do condomínio, como a piscina, playground, academia etc.

Maria foi, inclusive, reclamar com o síndico, que lhe mostrou o regimento interno do condomínio que proíbe expressamente os condôminos inadimplentes de utilizarem as áreas comuns.

Indignada, Maria propôs ação declaratória de nulidade da cláusula do regimento interno cumulada com indenização por danos morais.

Nesta situação, o regimento interno pode determinar que o condômino inadimplente fique proibido de utilizar as áreas comuns do condomínio?

 

Condômino inadimplente não pode ser proibido de usar áreas de lazer

Em maio de 2019, uma decisão unânime da 4ª turma do STJ proveu recurso para fixar a ilicitude da prática de privar o condômino inadimplente do uso de áreas comuns de lazer.

No caso (agora não mais hipotético), os recorrentes estavam inadimplentes com o condomínio desde 1998, acumulando mais de R$ 2 milhões em dívida.

Conforme disse o relator, o ministro Luis Felipe Salomão, embora a inadimplência dos autores gere prejuízos, é “ilícita a prática de privar o condômino inadimplente do uso de áreas comuns do edifício destinadas ao lazer, incorrendo em verdadeiro abuso de direito à disposição condominial que determina a privação da utilização como medida coercitiva, até mesmo coativa, de obrigar o adimplemento das taxas condominiais”.

 

Código Civil prevê outras formas de punição para o condômino inadimplente

O artigo 1.336, I, do Código Civil determina que os condôminos possuem o dever de contribuir para as despesas condominiais. Porém, isso não exclui o fato de que as consequências pelo seu descumprimento devem ser razoáveis e proporcionais. 

Na circunstância de descumprimento do dever de contribuição pelas despesas condominiais, o Código Civil impõe ao condômino inadimplente sanções de ordem pecuniária.

Por exemplo, o artigo 1.336, do Código Civil, estabelece que o devedor seja obrigado a pagar juros moratórios de 1% ao mês e multa de até 2% sobre o débito:

 

Art. 1.336 (…)

1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.

Caso o condômino apresentar constantemente um comportamento faltoso (o que não deve ser confundido com o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos), será cabível a ele  a imposição de outras penalidades, igualmente de caráter pecuniário, no teor do art. 1.337:

 

Art. 1.337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.

Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.

Em suma, o condomínio não pode constranger o devedor ao pagamento do débito impondo sanções que não estejam previstas em lei.

Mesmo que a inadimplência dos condôminos gere prejuízos ao condomínio, o próprio Código Civil estabelece meios legais específicos e rígidos para a cobrança de dívidas, não admitindo qualquer forma de constrangimento à dignidade do condômino e dos outros moradores.

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